Há vários meses que alguns partidos de esquerda defendem medidas de combate à inflação urgentes para preservar o poder de compra e evitar apropriações de lucros excessivos.
De facto, o congelamento de preços nalguns bens essenciais e nos combustíveis, bem como a tributação de lucros “indevidos”, são as medidas mais famosas da agenda da esquerda na inversão da tendência inflacionista, sendo o Bloco de Esquerda o protagonista. Embora as intenções pareçam ser boas, falta alguma peça nesta oratória.
Antes de mais, convém entender a história e os verdadeiros impactos do controlo de preços, neste caso, da fixação de um teto máximo para o preço de determinados bens. Este tipo de controlo é aplicado pelo Estado em situações de recessão económica, como nas Guerras Mundiais e no primeiro choque petrolífero da década de 70. Tratam-se de períodos onde o poder de compra é reduzido e tem tendência a diminuir ainda mais, fruto do crescente desemprego. Isto acontece em resultado de choques negativos na oferta e na distribuição (os choques petrolíferos originaram uma escassez na oferta de petróleo, aumentando os preços dos combustíveis), associado à consequente necessidade dos produtores aumentarem os preços dos seus bens e serviços para cobrirem prejuízos e à diminuição do consumo. Este processo acaba por conduzir à inflação. Assim, com o controlo de preços, o Estado garante que os consumidores não terão surpresas no valor das despesas mensais, assegurando o poder de compra e as expectativas da população na evolução dos preços.. Soa bem, não?
De facto, a fixação de preços é uma espada de dois gumes. Por um lado, desacelera a taxa de inflação no curto prazo e confere mais tempo ao Governo para encontrar uma solução melhor; por outro, confere desequilíbrios e implicações nefastas em qualquer horizonte temporal. No imediato, a fixação de um teto nos preços de certos bens resulta num aumento da procura. Consequentemente, verifica-se uma escassez na oferta e o crescimento do mercado negro e da economia paralela. A título de exemplo, considere-se que o Governo decreta um preço máximo para os combustíveis correspondente a metade do atual. Desta forma, o custo das deslocações diárias diminui e verifica-se uma deslocação de utilizadores de transporte público para os seus automóveis (mais cómodos). Sendo assim, observam-se fortes pressões sobre a oferta de combustível até que a oferta não é capaz de assegurar a distribuição. Nesta fase, os agentes económicos tendem a vender combustível no mercado negro a um preço mais elevado, por vezes ainda superior àquele sem intervenção estatal. Realmente, não parece um final muito feliz..
Na contabilização das consequências de uma medida como esta, normalmente não são tidos em conta (por conveniência?) implicações financeiras indiretamente relacionadas
Além disso, a diminuição forçada dos preços origina uma diminuição dos ganhos dos produtores, que começam a vender produtos de qualidade inferior na perspetiva de manter a margem de lucro ou, pelo menos, evitar a acumulação de prejuízos. Também a escassez de oferta dá lugar a favoritismos por parte do vendedor, que acabam por vender os seus produtos à família, aos mais próximos e ainda discriminar os seus consumidores com as mais variadas razões. Na verdade, durante a Segunda Guerra Mundial, a estipulação do preço máximo no mercado de arrendamento nos EUA acabou por favorecer os senhorios à medida que os anos iam passando e a diferença entre o preço tabelado e o de mercado se ia agravando. A excessiva procura possibilitava-os de discriminar a comunidade negra e outros grupos e etnias minoritárias do direito à habitação, provocando fortes problemas sociais e a criação de guetos destinados para estes grupos.
Mais, escusado será dizer que as condições dos imóveis podiam ser deploráveis, mesmo para os “privilegiados” que conseguiam arrendar uma casa. Afinal, o argumento social associado ao controlo de preços parece desvanecer-se...
Ademais, na contabilização das consequências de uma medida como esta, normalmente não são tidos em conta (por conveniência?) implicações financeiras indiretamente relacionadas. Efetivamente o excesso de procura pode criar em certos setores filas intermináveis para adquirir os produtos. Novamente, recorremos ao caso dos combustíveis. A tal diminuição dos preços, mencionada anteriormente, está associada a um maior tempo de espera para abastecer o automóvel, o qual acarreta sérios custos negligenciados. Na sequência do primeiro choque petrolífero, a fixação do preço resultou num aumento do verdadeiro custo médio dos combustíveis por litro em 15% (face ao preço sem intervenção).
Como já constatamos, no curto prazo os benefícios parecem desvanecer-se. Também acontece este efeito no longo prazo. Depois de levantado o controlo de preços, verifica-se um crescimento bastante acelerado dos preços em formato de catching-up com o crescimento natural da economia. Esta nova taxa de inflação pode ser ainda mais elevada que a inicial e proporcionar consequências ainda mais negativas, como a apropriação de lucros “indevidos” pelas grandes empresas que, embora não necessitem, aproveitam para aumentar também a margem de lucro. Mais tarde, a taxa de inflação coincide com a inicial e deixa-se para trás um rasto de dúvidas e post-its “NÃO acionar em caso de emergência”.
Realmente, as principais razões que levam alguns grupos políticos, nomeadamente de esquerda, a defenderem este tipo de medidas carecem de evidência científica por trás. De facto, o objetivo de qualquer partido é ser eleito, e obter bons resultados durante o mandato. Como 4 anos é no curto prazo, o que importa é defender "chavões políticos" mediáticos que brilhem na comunicação social e nos olhos dos eleitores. Se calhar, o controlo de preços é um lobo em pele de cordeiro...
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