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Carta Branca: A “aproximação cultural" através da curta-metragem

  • Writer: Joana Rita Cirne
    Joana Rita Cirne
  • Dec 4, 2022
  • 4 min read

Updated: Dec 8, 2022

O Porto/Post/Doc deu carta branca à jornalista e crítica de cinema Teresa Vieira, para escolher os filmes a passar no grande ecrã do cinema Passos Manuel, na tarde de quinta-feira (24). O EXPOENTE foi assistir a esta sessão, e ao debate que se seguiu. Uma conversa sobre as particularidades da curta-metragem e do cinema do leste europeu, com a participação do investigador Paulo Cunha, do diretor do BEAST – Internacional Film Festival Radu Sticlea e da programadora Cátia Rodrigues.
Imagem: Beatriz Ramires/Porto/Post/Doc

"Um programa que resulta de um exercício ativo – e inesgotável – de tentativa de aproximação cultural através do contato criado (ou expandido) pela matéria fílmica.” É assim que Teresa Vieira descreve este programa “Carta Branca”, no site do Porto/Post/Doc. A jornalista e crítica de cinema selecionou quatro curtas-metragens de, maioritariamente, países da Europa do Leste (Ucrânia, Letónia, Lituânia e Chéquia). As curtas projetadas têm temas comuns: partem do conceito de identidade e de ponte entre diferentes realidades.


Foi com “A Cry from the Heart, a Window, and Easter”, do coletivo ucraniano Babylon’13, que a sessão arrancou. Criado em 2013, o objetivo deste grupo de documentaristas era chamar à atenção sobre os problemas democráticos e de direitos humanos na Ucrânia, durante os protestos de Maidan, e opor-se à propaganda russa da anexação da Crimeia e da guerra do Donbass.


Este documentário segue a experiência de três pessoas diferentes, após a ocupação, por parte do exército russo, da cidade ucraniana de Sedniv. Três depoimentos simples, mas sinceros. Taïsia Tymofiïvna Mutsu, antiga bibliotecária, escreve poemas. Às vezes, envia-os para o jornal local, mas os editores nunca os publicam. Zinaïda Hryhorivna Lukianenko, irmã do político e ativista ucraniano Levko Lukianenko, dedica os seus dias a bordar toalhas tradicionais ucranianas. Por último, Padre Timon, que trabalha na Igreja de São Jorge.



Os planos variam entre a sala, com plantas coloridas, de Taïsia, ao som dos poemas por ela declamados; da cozinha e da mesa de jantar de Zinaïda, onde da janela é possível, por vezes, ver o exército ucraniano a passar; e a Igreja de São Jorge, com paredes escuras repletas de icons de figuras religiosas. A importância dada ao ambiente envolvente das personagens, confere uma dimensão mais pessoal à curta.


Stills do filme "A Cry from the Heart, a Window, and a Easter"


“Spaces” de Nora Štrbová foi a última curta a ser apresentada. Distingue-se das restantes pela sua diversidade de abordagem estética e temática. É a única a focar-se no mundo do cinema de animação e a usar vários meios, como as fotografias de arquivo e o desenho. Esta é uma viagem pelas memórias, na qual nunca é atribuída, verdadeiramente, uma cara.


Até que ponto a memória faz parte da nossa identidade? “Spaces” visa compreender e dar a conhecer “de que modo a perceção da realidade é alterada quando as memórias do individuo se fragmentam”, assim caracteriza Nora Štrbová na descrição da sua curta-metragem.



"É preciso ver filmes antes de os fazer"
Still de "Pirmais tilts" (2020) de Laila Pakalnina

Neste programa navegou-se por diferentes pontos de vista, com processos de criação distintos. A diversidade destes projetos audiovisuais, quer seja ela obtida através da abordagem estética, temática ou do contexto sociopolítico, lançam o mote para uma reflexão sobre o espaço do formato da curta-metragem documental.


Após o visionamento das curtas, promoveu-se um momento de debate em torno das particularidades da curta-metragem, com a participação do docente e investigador Paulo Cunha, do diretor do BEAST - IFF Radu Sticlea e da investigadora e programadora Cátia Rodrigues.


O percurso de qualquer realizador começa, primeiramente, com a curta-metragem. É um formato consumido, quase exclusivamente, em festivais e mostras de cinema e produzido sobretudo em contexto escola. Poucos são os realizadores que dão primazia a este formato nas suas criações, e têm um portfólio baseado em curtas-metragens. A maioria começa por realizar duas ou três curtas e, assim que ganham maior notoriedade, avançam para os chamados “feature film”, com produções maiores e mais caras.


Em Portugal, nas escolas e faculdades, todos os alunos acabam por realizar curtas-metragens. Apesar disto, as referências dadas aos alunos são, a maioria das vezes, filmes de longa duração. “Não faz sentido, porque o produto do trabalho que eles vão fazer em nada se pode comparar a esses filmes.” afirma Cátia Rodrigues. As referências dadas, pelos professores, aos alunos não são representativas do tipo de trabalho que vão fazer.


Já Paulo Cunha, professor, pensa que o maior problema das escolas é “convencer os alunos de que para fazer filmes é preciso antes vê-los”. É necessário ter uma boa bagagem de diferentes referências para aprender a fazer cinema. O professor admite que “ao contrário do que muitas pessoas pensam, o cinema ensina-se”, não é só pegar numa câmara e começar a filmar. A este propósito, o diretor do BEAST – IFF, Radu Sticlea pensa que os festivais de cinema e as escolas deviam trabalhar em simbiose: “esta sala deveria estar cheia de alunos, a verem novos filmes e a criarem opiniões e referências.”


O "melhor formato"
Still de "Prasmé" (1981)

Radu Sticlea vê a curta-metragem como o “melhor formato”: “Quando vinha para aqui estava a pensar ‘gosto de short films?’. E a resposta é sim, é o meu formato preferido.” Por definição uma curta-metragem tem de ter menos de 40 minutos, pelo que a ação tem que, obrigatoriamente, se desenvolver mais rapidamente, não existindo, assim, espaço para tantos “momentos mortos”. “É muito difícil de ficar entediado, porque nem há oportunidade para isso”, continua.


Por terem uma duração menor, os filmes são sempre agrupados para serem projetados. Desta forma, com as curta-metragens podemos criar relações e diálogos entre os filmes. “Nós combinamos. Como é mostrado sempre um filme com outro, podemos criar associações diferentes entre eles, e isso é muito bom” afirma Teresa Vieira. Neste contexto, Radu conta a sua experiência com os filmes projetados nesta sessão: “Eu já tinha visto antes todos estes filmes, em circunstâncias diferentes e de forma separada. Mas agora, vê-los todos juntos, é algo totalmente diferente e mais intenso.”


A conversa terminou inesperadamente porque dali a 5 minutos começaria a sessão seguinte, o filme romeno de 2021 "Întregalde” – dando continuidade ao mote do cinema de leste e do conceito de identidade. “Se quiserem podemos continuar a conversa lá fora” convidou Teresa Vieira. À entrada do Passos Manuel já se notava o dia a cair, mas isto não foi um impedimento para que se parasse a troca ideias, agora com umas cervejas na mão.


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