Os últimos meses do ano consagraram campeões nacionais em latitudes alternativas. Onde o verão é a última estação do ano, o ano futebolístico começa e termina ao mesmo tempo que o ano civil. Umas mais recônditas e amadoras do que outras, estas ligas têm timings diferentes do futebol milionário jogado na Europa, terminaram ou estão a terminar e O EXPOENTE traz até si o balanço destas épocas que agora terminam.
Fomos da Oceânia até à América do Norte, passamos por África, pela Ásia e pela América do Sul, em todos estes sítios faz sol em dezembro e o futebol para para férias. Há espaços para estreantes, vitórias previsíveis e muitos portugueses e conhecidos do futebol português.
Futebol asiático: o mais inóspito, mas curioso
Comecemos pela Ásia. No continente mais populoso do mundo, o último campeão a ser definido foi o do país mais importante: a China. O campeonato chinês terminou dia 31 de dezembro. A última jornada foi último dia do ano e decidiu o próximo campeão chinês. O título foi disputado até ao final por duas equipas que têm o mesmo número de pontos, vitórias, empates e derrotas: o Wuhan Three Towns e o Shandong Taishan. Ou seja, tudo em aberto até ao apito final do último jogo. Curiosamente, não houve último jogo. Os dois adversários não apareceram em campo por situações relacionadas com a Covid-19, venceram ambos na secretaria e o título ficou entregue ao Wuhan Three Towns, vencedor pelo critério da diferença de golos.
Na parte inferior da tabela, as decisões foram tomadas mais cedo. E com histórias que fizeram correr muita tinta. Os dois despromovidos, até agora, são o Hebei FC e o Guangzhou FC. O Hebei FC foi despromovido com zero pontos, apesar de até ter três vitórias no campeonato. Castigada por um grande escândalo relacionado com salários em atraso, a equipa de Hebei já tem o seu destino traçado há largos meses. A história do Guangzhou FC é outra. O antigo heptacampeão chinês e vencedor de oito das últimas 11 edições do campeonato não resistiu e foi despromovido a uma jornada do final do campeonato.
Nesta edição, muitos dos protagonistas têm caras familiares dos adeptos portugueses. Por exemplo, as equipas que disputam o título contam com jogadores como Davidson (Wuhan Three Towns), ex-SC Covilhã, GD Chaves e Vitória SC; Cryzan (Shandong Taishan), que alinhou, em Portugal, pelo Santa Clara e é o segundo melhor marcador do campeonato com 25 golos.
Davidson (à esquerda) e Cryzan (à direita) tiveram passagens de destaque no futebol português e brilham agora no futebol chinês.
Passando para terra nipónicas, o destaque vai para a equipa do Yokohama Marinos. A equipa de Yokohama consagrou-se como campeã nacional pela quinta vez e consolidou o seu estatuto de segunda maior campeã do campeonato japonês. Nesta equipa também há quem já tenha tido passagens pelo futebol português como Yan Matheus, ex-Moreirense e Estoril Praia. Também com ligações a Portugal, o melhor marcador desta época foi Thiago Santana, do Shimizu S-Pulse. O brasileiro, com história no Santa Clara e no Vitória FC, assinou 14 golos e seis assistências em 27 jogos.
Curiosamente, a equipa do melhor marcador foi uma das duas já despromovidas no Japão. O Shimizu S-Pulse terminou na penúltima posição e não resistiu ao fantasma da descida de divisão. Consigo vai também a equipa do Júbilo Iwata.
Na Coreia do Sul joga-se o terceiro maior campeonato do continente. Por lá, foi tempo dos adeptos campeões tirarem o pó dos cachecóis. O vencedor foi o Ulsan Hyundai que já não conquistava o maior título nacional desde 2005. Estão longe de ser a equipa com mais títulos nacionais no palmarés pelo que se pode dizer que o título foi surpreendente.
Nos outros campeonatos menores também há história. Entre agosto e dezembro jogaram-se as últimas jornadas dos campeonatos do Butão, Camboja, Macau, Malásia, Quirguistão, Singapura, Usbequistão e Vietname.
Aliás, no Butão, esse pequeno país com menos de 800 mil habitantes, o campeonato ainda tem o campeão por decidir. Falta jogar a última jornada que, por destino ou coincidência, colocará, frente-a-frente, o primeiro e segundo classificados: Paro FC e o Thimphu City. O Paro é o atual detentor do título e está, neste momento, em primeiro lugar do campeonato.
Em Macau, onde a liga tem ainda muitas influências dos tempos coloniais portugueses (o campeonato conta com equipas como o Benfica de Macau, a Casa de Portugal ou Sporting de Macau), o campeão foi o CPK (Chao Pak Kei). O CPK, curiosamente liderado pelo técnico português Vítor Almeida, conseguiu o feito de terminar a época com o registo de 0 derrotas, 0 empates, 95 golos marcados e apenas quatro sofridos.
No Camboja, venceu o Phnom Penh Crown; na Malásia brilhou o Johor FC; no Quirguistão, Abdysh-Ata Kant; em Singapura, o campeão foi o Albirex Niigata (S); no Usbequistão, foi o Pakhator; e no Vietname, o campeão nacional foi Hà Nôi.
Estes campeonatos, apesar de recônditos e pouco mediáticos, guardam em si muitas histórias particulares e inesperadas. Por exemplo, no Camboja, o melhor marcador do campeonato é um canadiano chamado Marcus Haber que tem, inclusive, experiência em campeonatos inferiores de Inglaterra e, também, na primeira divisão escocesa. No Butão, a seleção nacional sub-19 do país joga na primeira divisão. Um caso raro no panorama mundial do futebol. Não pode, como é evidente, qualificar-se para as competições internacionais, mas não se saiu nada mal e conquistou um honroso sétimo lugar.
Do Vietname para o Brasil são 22 horas de voo. E é para lá que vamos agora. No país do futebol, o campeonato também já terminou.
América Latina: o coração do futebol-espetáculo
O Brasileirão, como é conhecido, fechou no dia 13 de novembro e o campeão foi a Sociedade Esportiva Palmeiras. O Palmeiras é treinado pelo português Abel Ferreira que juntou ao seu palmarés o primeiro título de campeão nacional brasileiro depois de ter já conquistado duas Copa Libertadores, um Recopa Sudamericana e uma Copa do Brasil.
Nesta edição de 2022, foram muitos os protagonistas portugueses em terras canarinhas. Depois da passagem triunfante de Jorge Jesus ao serviço do Flamengo, a demanda lusitana para o Brasil aumentou e foram quatro os técnicos portugueses no comando de equipas brasileiras: Abel Ferreira no Palmeiras, Vítor Pereira no Corinthians (entretanto foi anunciado como novo técnico do Flamengo), Luís Castro no Botafogo e António Oliveira no Cuiabá (entretanto, apresentado no Coritiba).
Foi do país vizinho, a Argentina, que chegou a história mais inacreditável deste artigo. O campeonato fechou com o Boca Juniors a sagrar-se campeão na última jornada, mas sem antes contar com uma grande dose da chamada “magia do futebol”. A história é a seguinte: o Boca Juniors e Racing Club entravam na última jornada com um ponto a separá-los. Boca Juniors partia em primeiro, mas um deslize na última jornada podia deitar tudo a perder. O Boca recebia o Independiente à mesma hora que o Racing Club recebia o River Plate, o eterno rival do Boca Juniors que, aliás, constituem a maior rivalidade do país. Ao Boca bastava vencer, mas a verdade é que não conseguiram.
O jogo ficou 2-2 e, assim, bastava ao Racing bater o River Plate para se sagrar o novo campeão argentino. Missão dada, missão quase cumprida. 1-1 aos 90 minutos e…penálti assinalado a favorecer o Racing. Estava mão e meia no troféu de campeões nacionais. Mas faltava a meia mão. O argentino Jonathan Galván partiu para bater e Armani, guarda-redes do River Plate, foi herói do rival e defendeu o penálti, provavelmente a defesa mais amarga da carreira. O Racing ainda acabaria por sofrer aos 95, perder o jogo e entregar, de bandeja, o troféu ao eterno rival.
Um final insano que ficará, com certeza, marcado nas enciclopédias do futebol mundial. Ao nível da grandeza do futebol sul-americano.
Tratados os grandes da América Latina, partimos para os restantes. Na Bolívia, o campeonato não acabou. Conflitos sociais e políticos no país obrigaram as entidades responsáveis pelo futebol no país a suspender indefinidamente a primeira divisão de futebol.
No Chile, o vencedor foi o grandioso Colo-Colo. Conquistou o 22º o título da história e consolidou-se como o maior campeão chileno de sempre. No Equador, o primeiro lugar ficou com a equipa do Aucas; na Colômbia, o Deportivo de Pereira conquistou o título nos penáltis da final do play-off de qualificação de campeão; em terras venezuelanas, o Metropolitanos SC conquistou o primeiro título nacional da sua história; no Peru, o Allianza Lima consagrou-se como bicampeão nacional; por fim, no Paraguai, o título ficou no museu do Olimpia.
América do Norte e África: poucos mas bons
Subindo um pouco, chegamos à América do Norte e aqui a história é curta. Dois grandes campeonatos, dois campeões. Nos Estados Unidos, o Los Angeles FC venceu a final da Major Soccer League frente ao Philadelphia Union. No Canadá, o campeão foi o Forge FC que venceu, na final jogada em outubro, o Atlético Ottawa por 2-0.
Para terminar, viajemos até África. Apesar do verão calhar em dezembro, as influências do colonialismo europeu perduram e não são muitos os campeonatos cujo fim coincide com o final do ano civil. Mas há, pelo menos, três campeonatos que são exceção (e em dois deles fala-se português): Cabo Verde, Moçambique e Zimbabwe.
Cabo Verde viu história acontecer no seu campeonato. O vencedor foi o Académica de Mindelo que já não se consagrava campeão desde 1989. A equipa foi liderada pelo português Carlos Machado e venceu o play-off frente ao GD Palmeira. Um aspeto curioso do campeonato cabo-verdiano prende-se com o seu formato. Em vez de se jogar numa fase única de pontos corridos, como é norma, o torneio joga-se em formato fase de grupo seguida de eliminatória, conseguindo, assim, uma maior dinâmica e interesse em cada jogo.
Em Moçambique, o campeão é treinado por um sérvio. Srdjan Zivojnov assumiu o leme do UD Songo e foi um dos responsáveis pela conquista do terceiro título da história do clube. O campeonato terminou em dezembro e sentenciou a despromoção do Incomáti de Xinavane, do Matchedje de Mocuba e da Liga Desportiva Maputo.
No não tão conhecido campeonato do Zimbabwe, o coroado foi o FC Platinum que, sem dificuldades, terminou a época no primeiro lugar e com 12 pontos de vantagem sobre o segundo.
Dos grandes palcos aos mais minúsculos e amadores, o futebol termina com o fim do ano. A bola é redonda em todo o lado e as regras as mesmas para todos, o importante, com mais oum menos dinheiro, mais ou menos público, é que a bola role e o futebol se mantenha vivo e com o papel social que todos lhe atribuem. Agora, é hora de descansar, quer no Brasil, que no Butão, quer no Zimbabwe. Para o ano há mais.
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