Um sonho chamado Villa Athletic Club. No verão de 2021, nascia uma ideia que viria a tomar forma em junho do ano seguinte. Fábio Lopes e Luís Pinheiro queriam fundar um clube de futebol. O clube nasceu, prometeu muito, cumpriu muito pouco e está às portas de um encerramento definitivo. Esta é a história do Villa, o clube que quis ser grande depressa demais e morreu de dores de crescimento.
No dia 14 de junho de 2022 nasceu em Ponte de Sor um novo projeto que prometia trazer as atenções mediáticas para o futebol distrital de Portalegre. Fábio Lopes (conhecido por Conguito), apresentador, radialista e influenciador digital português uniu-se a Luís Pinheiro, colega de trabalho na Mega Hits, e fez nascer um sonho incomum: criar um clube de futebol.
“Ainda parece tudo um sonho, há pouco mais de um ano, eu e o Luís, estávamos a ter uma conversa de café a falar de como seria, se tivéssemos o nosso clube. E a verdade é que depois dessa conversa passou um ano, juntaram-se amigos, parceiros e aconteceu. Hoje damos-vos a conhecer o Villa Athletic Club, um clube de futebol que vai entrar em competição já nesta época desportiva, não vos contar a história completa agora”, anunciou Fábio nas redes sociais no dia 5 de agosto. Deixou a história completa para depois, e ainda bem. Agora no futuro podemos adivinhar que a história do clube não foi com certeza aquela que o radialista quereria contar. O sonho não tardou a transformar-se em pesadelo.
Uma equipa de celebridades em toda a linha
Tudo na construção do Villa prometia voos para palcos além da 1ª divisão distrital da Associação de Futebol de Portalegre (AF Portalegre). A comunicação nas redes sociais era de nível profissional, o apoio nas próprias redes chegava de grandes nomes e marcas do cenário nacional e, acima disso tudo, os reforços, a equipa técnica e a estrutura diretiva do clube contava com nomes muito relevantes e influentes quer de dentro, quer de fora do mundo do futebol.
Meyong, André Carvalhas ou Edinho são nomes que lhe soam familiares? Todos com passagens importantes pelo principal escalão do futebol português, todos anunciados pelo Villa Athletic Club. Meyong Zé, ícone da história de clubes como o Vitória Futebol Clube e o Sporting Clube de Braga, com quase 200 golos na carreira e internacional pela seleção dos Camarões, assumiu a pasta de treinador principal.
André Carvalhas, formado no Sport Lisboa e Benfica e com passagens por clube como o Moreirense, o Tondela ou o Portimonense, e Edinho, internacional português, chegaram para reforçar o plantel.
Na direção, a chuva de estrelas prosseguia. O EXPOENTE teve acesso ao documento que constituiu a associação do Villa Athletic Club e foi possível identificar vários nomes conhecidos da praça pública além do de Fábio Lopes. No documento, outorgado no dia 14 de junho de 2022, podemos identificar o já referido Luís Pinheiro, designado vogal da Direção; João Ferreira, rapper conhecido por Benji Price, o presidente do Conselho Fiscal; Rui Simões, apresentador de televisão e radialista na Cidade FM; e Joana Ornelas, marketeer e ex-mulher de Bruno de Carvalho, ex-presidente do Sporting CP.
Imagem: Constituição da Associação Villa Athletic Club
No momento da escritura só estiveram presentes João Palma Rosa e Fábio Lopes, que outorgou por si e como procurador em representação de todos os restantes membros da Direção, Assembleia Geral e Conselho Fiscal. Tudo nomes com nenhuma ou quase nenhuma experiência no mundo do futebol, mas que poderiam atrair apoio e, consequentemente, investidores que financiassem e mantivessem o sonho vivo.
A beleza do romantismo vs o esquema da realidade
Neste documento, outro facto levantou questões: ninguém era natural de Portalegre, nem sequer do Alentejo e todos partilhavam o domicílio profissional na cidade de Lisboa. Se assim era, qual o motivo para fundar um clube em Portalegre? A ideia, contava Conguito, era “descentralizar o futebol”, “mostrar que uma pessoa que nasça no Alentejo não tem de migrar para outra zona para continuar a perseguir os seus sonhos”. Uma ideia romântica, que teve palco, inclusive, no programa Bola Branca da Rádio Renascença (do mesmo grupo que detém a Mega Hits), mas que não passava de uma justificação para contornar as regras e ascender mais rapidamente aos principais escalões do futebol nacional.
O esquema era o seguinte: declarando que a equipa jogava em Ponte de Sor, o clube poderia ser inscrito na AF Portalegre e, desse modo, facilitar a promoção ao Campeonato de Portugal. Isto, porque neste distrito só há uma divisão distrital que tem apenas cinco clubes e muitas vezes o campeão abdica de subir, pela exigência financeira que essa promoção acarreta.
Na verdade, o clube funcionava inteiramente em Lisboa e nas redondezas. Os jogadores residem na capital, os jogadores que vieram de fora foram colocados numa casa em Vila Franca de Xira e a equipa treinava nas instalações do Grupo Desportivo Samora Correia no concelho de Benavente.
O início do fim
O clube queria crescer através das falhas do sistema, mas a queda começou a chegar por falhas internas, antes mesmo de começar o campeonato. Dia 16 de setembro é um dia que ficará, com toda a certeza, na memória de Conguito. O véu começou a levantar-se e os contornos sombrios deste projeto aparentemente tão inovador foram sendo, aos poucos, postos à vista de todos. Edinho, o nome maior do plantel do Villa, publicou na sua conta de Instagram um desabafo que expunha muitos dos problemas do clube. As declarações estiveram online nem durante 24 horas, mas foi tempo suficiente para serem guardadas pelos internautas e rapidamente difundidas por várias redes sociais. Edinho acusava Conguito de estar a dever salários a 24 jogadores, muitos deles “jovens que se despediram por venderes um sonho que não estava sustentado” e de os ter deixado “em uma casa só com água fria e sem alimentação e escolas sem um lápis e uma caneta.”
Edinho deu o pontapé de saída para uma polémica que marcaria atualidade dos dias seguinte. Logo no dia seguinte, a história adensou-se com uma publicação da Rádio Portalegre (o primeiro órgão de comunicação social a noticiar o sucedido) onde revelavam que o drama já se estendia há várias semanas e já tinha tido impacto no início da época oficial do Villa Athletic Club.
O Villa não se apresentou no primeiro jogo oficial da época, a contar para a Taça Remax da AF Portalegre, frente aos Gavionenses. Na segunda jornada, frente ao Elvas, compareceu, até venceu por 2-0 mas todo a envolvência do jogo foi marcada por casos, no mínimo, invulgares.
A equipa, teórica e contratualmente treinada por Meyong, veio a jogo sem equipa técnica no banco de suplentes e com um equipamento emprestado pelo GD Samora Correia. Além disso, noticiou a Rádio Portalegre, “os 12 jogadores do Villa que compareceram no jogo com o Elvas deslocaram-se em carros particulares e até tiveram de pedir uma folha de papel ao clube anfitrião para fornecer a constituição da equipa ao árbitro da partida”. Além disso, “cada vez que havia uma paragem de jogo devido a lesão de um jogador do Villa, havia uma pessoa que estava na bancada, um alegado massagista, que saltava para dentro de campo para assistir o atleta”, contou o presidente do Elvas à mesma rádio.
Ao comparecer no jogo, a equipa evitou que o Villa fosse suspenso de todas as competições por faltas de comparência e, assim, dar uma margem temporal para que o problema fosse resolvido, uma vez que o próximo jogo seria só em novembro.
O caso chegou rapidamente aos meios de comunicação de abrangência nacional e as denúncias das pessoas envolvidas começaram a chegar. Meyong e Pedro Campos Ribeiro, o diretor desportivo do clube, foram os primeiros a falar. Em declarações ao MaisFutebol, o técnico camaronês acusou a direção do clube de ter prometido parceiros e patrocinadores que não tinham. O diretor desportivo corroborou a ideia das falsas promessas e lembrou que o caso já não era sobre futebol, “estamos a falar de vidas”.
No Twitter, chegava a denúncia de André Tenente, um fotógrafo que fez trabalhos para o Villa Athletic Club. André, em quatro tweets, denunciou Conguito que, conta, nunca lhe pagou pelo serviço prestado. Foi abordado via Instagram para tirar fotos a um jogo no dia 29 de agosto e, mesmo depois de enviadas as fotos, foi ignorado durante semanas pelo presidente do clube e nunca recebeu o valor devido.
Comunicado sem culpa
Dia 18 de outubro, com a polémica instalada e sem qualquer esclarecimento por parte de Conguito, os jogadores do Villa foram até à porta do Grupo Renascença para confrontar o presidente sobre a situação. E, no dia seguinte, veio a público o primeiro e último (até à data) comunicado oficial de Fábio Lopes sobre o assunto.
Por via do Instagram, o radialista dirigiu-se à “família, aos amigos, a todos que seguem o seu trabalho e a todos os que se têm cruzado com o Villa Athletic Club” para acusar o “negócio do futebol” de ter destruído um clube que nunca quis ser um negócio. Alheou-se das responsabilidades, afirmando que um clube “nunca é apenas do presidente”, mas sim “de um plantel de jogadores, de uma equipa técnica, dos adeptos, e de tantos outros que, nos bastidores, são responsáveis pelo bom funcionamento de tudo”. Terminou sem nunca assumir culpas e afirmando-se como vítima de uma campanha difamatória contra si.
“É nas respostas aos tempos difíceis que se define a força de uma Equipa. No meu sonho, estavam os melhores. Fiz questão de chamar os melhores. Mas nos tempos difíceis, em que a Equipa devia estar unida a encontrar soluções de viabilização do projeto e soluções para os problemas, os que acreditava serem os melhores consideraram que seria mais benéfico criar uma campanha nos media e nas redes sociais, com o intuito de destruir o valor do Villa Athletic Club e de denegrir o seu Presidente.”, concluiu.
Bloqueou a possibilidade de receber comentários de todas as publicações do Instagram, apagou a página do Villa Athletic Club e, desde aí, o silêncio tem sido total.
As soluções, as denúncias e a extinção
Como contou Pedro Campos Ribeiro, a história já não era sobre futebol, “estamos a falar de vidas”. Se o sonho de Conguito virou pesadelo, o pesadelo maior era vivido pelos jogadores que, com salários em atraso e a viver em casas sem condições, precisavam de uma solução. A queixa entrou no Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, mas a solução mais rápida veio do mundo do futebol.
No último dia 1 de novembro, Edinho tornou público que Sérgio Conceição se prontificou a ajudar estes jovens atletas. O treinador do Futebol Clube do Porto fez chegar aos jogadores mantimentos e utensílios de primeira necessidade que resolverão muitos dos problemas durante muito tempo. Além do técnico portista, André Carvalhas revelou ao MaisFutebol que também Adrien e Pizzi, colegas de equipa no Al-Wahda, querem ajudar estes jogadores.
A AF Portalegre anunciou, poucos dias depois de toda a polémica, que a equipa apresentou a desistência de todas as competições oficiais. Entretanto, o clube já se encontra extinto. Um projeto que entrou em ruínas ainda antes de estar construído.
Mais recentemente, no dia 4 de novembro, o plantel do Villa Athletic Club lançou um comunicado conjunto onde revelaram todas as promessas que ficaram por cumprir. Pode ler-se que foram prometidos “mundos e fundos, que, no final, se resumiram a planos infundados, contas e financiamentos fictícios, investidores e patrocinadores que estavam teoricamente garantidos, mas que não existiam no papel” e enumerados vários exemplos do que ficou por cumprir:
“Estágios de pré-época - não se realizaram;
Documentário do clube com filmagens diárias para exibir em duas salas de Cinema NOS, em Lisboa e no Porto - apenas se realizaram filmagens no primeiro dia e nem sabemos para que se destinaram;
Enorme estratégia de marketing e publicidade nas redes sociais do clube com auxílio de influencers que apoiavam o mesmo - não se realizou
Plano de construção do Villa Park que se apresentava como uma "cidade do futebol" no Alentejo - já estaria apalavrado com uma empresa e nunca chegou a avançar;
Alimentação pré-treino e banhos de gelo - suportados monetariamente pelos directores desportivos nunca tendo os mesmos sido ressarcidos;”
Além das promessas por cumprir, os jogadores denunciaram a falta de condições do alojamento e de alimentação prometidas: “Alguns jogadores e directores foram contratados com garantia de alojamento e alimentação e tal só se verificou durante breves semanas. O que realmente aconteceu foi que os alojamentos não tinha as contas de gás asseguradas, tendo os jogadores que recorrer aos balneários do campo para as necessidades básicas, como banhos. […] Em outubro o presidente Fábio Lopes informou os jogadores que teriam até ao fim do mês para sair dos alojamentos.”
“A alimentação de alguns jovens era, também, garantida pelo clube, no entanto, em Setembro, começaram a existir falhas no pagamento da mesma, sendo a última transferência com este propósito realizada no dia 12 do mesmo mês. A alimentação destes jovens foi aí garantida por membros da direcção e restantes jogadores que, em conjunto, contribuíram para tentar minorar o problema.”, contam os jogadores lesados.
O sonho nasceu há um ano, foi materializado em junho deste ano e morreu no fim de outubro, antes ainda de ser posto à prova desportivamente. O Villa Athletic Club quis ser enorme, demasiado rápido e mais rapidamente ainda ficará como uma mancha negra quer na história dos responsáveis, como na história do futebol português.
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