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Writer's pictureTiago Sousa

Falta de padres: Estes jovens são o futuro da vida sacerdotal portuguesa

Num mundo ocidental onde há cada vez menos vocações, o crescimento demográfico é negativo e a laicização da sociedade é crescente, a Igreja Católica tem em mãos o hercúleo desafio de sobreviver e renovar-se. Fomos visitar o Seminário Dehoniano da Boavista e conhecer os dois únicos jovens da cidade em formação sacerdotal. Perceber como nasce a fé, o que a alimenta e as propostas que têm para os desafios enfrentados pela Igreja.

Chegamos à porta do seminário um pouco antes das 18h00 e quem nos abriu a porta foi o Nuno, um dos dois únicos vocacionados para a vida sacerdotal da Congregação Dehoniana na cidade do Porto. O plano era falar com ele, com o Francisco (o outro formando) e dois padres formadores sobre a falta de padres no país. Esclarecer os desafios e entender as soluções propostas. A conversa até começou por aí, mas cedo se percebeu que iria por outro lado.


Um seminário moderno mas vazio

Ao Nuno, rapidamente juntou-se o Francisco e, juntos com O EXPOENTE, foram mostrar-nos os cantos à casa. Um espaço moderno, renovado em 2011, que mais se assemelhava com uma residência comum (mas de destacado valor arquitetónico). Um espaço em nada semelhante ao imaginário coletivo de um seminário clássico. Mas pareceu de propósito. Primeiro, os espaços banais: os quartos, a cozinha, a sala, as casas de banho. Depois, sim, as particularidades. Vimos a sacristia, o pátio exterior, onde se realizam missas para a comunidade, e, por fim, o espaço mais único da casa: a capela. Uma área escura, onde uma levíssima luz vermelha ambienta os não mais de 15 lugares onde acontecem as orações diárias.


É nos silêncios das manhãs que, todos os dias, todos os habitantes da casa se encontram para a primeira oração às sete da manhã. “É um crime”, ironiza Francisco entre risos de quem gostaria de poder dormir mais um bocado. Mas as missões e as vocações têm destas coisas e, para aqueles dois jovens, a fé é motor para todos os esforços. Nuno, inclusive, tem o hábito de acordar uma hora mais cedo para ler uma passagem da Bíblia e meditar sobre ela.


Neste momento, vive, em permanência naquela casa apenas um jovem vocacionado para a vida sacerdotal. A congregação tem dois seminários na cidade, este da Boavista, no Porto e outro em Gondomar para seminaristas mais jovens. O segundo, este ano, está vazio. No seminário do Porto apesar de haver dois jovens em formação, só o Francisco vive na casa, neste momento. O Nuno, por já ter 21 anos, cumpre um ano de retiro obrigatório num Seminário em Aveiro e apenas vem até ao Porto de vez em quando. Com o Francisco vivem cinco padres, figuras importantes para a sua formação e para a vida interna da congregação.


Histórias de uma fé precoce

Não passaram muitos anos dos tempos em que eram mais de cem formandos entre os corredores deste e do seminário gondomarense. O padre José Domingos Ferreira, um dos formadores, relembra esses tempos com nostalgia, ainda assim, não lhe parece que a falta de padres em formação seja, necessariamente, sinónimo de tempos maus para a igreja. Pelo contrário, aliás: “Eu reconheço que no meu tempo havia uma certa camaradagem, mas reconheço que hoje tenho preocupações com o Nuno que ninguém teve comigo. Apesar de tudo acho que está melhor agora.”


Já tínhamos falado com o Nuno quando o padre José Domingos nos disse isto, e nessa conversa foi notório o impacto de uma formação intensiva, personalizada e, naturalmente mais sensível. Nuno Gomes nasceu em Cabo Verde. Com 10 anos veio para Lisboa e foi nessa cidade que conheceu e juntou-se à Congregação dos Dehonianos. Desde os 15 anos que é seminarista. Viveu em Gondomar, passou nesta casa da Boavista e está agora em Aveiro.

São seis anos de vida seminarial, mas muitos mais de fé. Foi na conversa com o Nuno que o rumo da reportagem se ajustou. Eu queria falar da falta de padres, mas ele queria falar de Deus e da sua chegada até à vida religiosa.


Aos sete anos, a mãe teve de emigrar (como o pai já o havia feito anos antes) e ele sentiu-se abandonado. Era muito apegado à mãe, e quando ela saiu do país sentiu-se abandonado. E foi neste abandono que a mensagem da Bíblia o acolheu e lhe deu guarida emocional: “Nós íamos à cataquese e lá ouvíamos dizer que há um Deus que te ama e que não te abandona. Bem, se a minha mãe abandonou, pelo menos há alguém que não me abandona. Vou procurar saber.”

Procurou saber sem parar. Frequentava a missa e a catequese com regularidade, depois de vir para Lisboa foi acólito e membro presente da Congregação Dehoniana. A ida para o seminário foi natural. Aliás, no dia em que a mãe o inscreveu na Catequese, no ido ano de 2012, ela perguntou-lhe o que queria ser. A resposta veio como instinto e sem que Nuno percebesse porquê: “Quero ser padre.”


Mais tarde, aquando da mudança para o seminário, aos 15 anos, teve uma crise de fé “muito profunda”. Veio de Lisboa para o Porto, voltou a sair de perto da mãe e, para além disso, era um dos únicos africanos na Escola Secundária de Gondomar (onde fez os últimos três anos de escolaridade), o que gerava alguns comentários. Começou a questionar tudo, “como Descartes” descontruiu tudo e voltou a construir “algo mais racional e não só de sentimento, onde questionava a própria existência de Deus e as capacidades para ser seminarista”.


Ultrapassou através de momento de “forte oração” e dá um exemplo marcante. “Por exemplo, houve uma noite de S. João em que me convidaram para sair à noite e eu não quis ir. Eu fui para o terraço do seminário e fiquei lá a rezar às três da manhã.” Mas além disso, foi nos momentos de comunhão religiosa com outros jovens de toda a Europa que a sua fé se “esclareceu”.


Para Francisco, que nasceu e viveu em Lousada antes de ser seminarista, a descoberta religiosa foi diferente. Veio de uma família bastante ativa na vida da igreja, teve, inclusive, um tio que chegou a ser padre, mas que acabara por renunciar mais tarde. Aos quatro anos já dizia que queria seguir a vida sacerdotal. Olhou para uma foto do tio com a batina vestida e perguntou à avó: “Oh avó o tio foi padre?”. A avó consentiu e ele respondeu: “Olha, avó, eu vou ser padre, mas eu não vou sair.”


Francisco relembrou, no seguimento desta reveleção, entre risos e suspiros nostálgicos os tempos da infância em que, constantemente, brincava a ser padre. Vestia a camisa de dormir da avó, ia à cozinha buscar bolachas Maria para fazerem de hóstias e celebrava a missa para os avós e para os primos. “Quando me reunia com os meus primos de manhã era obrigatório celebrar uma missa, fiz isso até aos doze anos, mas depois deixei de fazer, chegou a adolescência e uma pessoa deixa de achar piada àquilo”.


Os dois, sem motivo concreto que possam identificar, sentiram ainda em fase permatura da vida o chamamento para a vida religiosa, e agora, já com uma fé mais robusta e sustentada, avançam a largos passos para o final, do também largo, processo de formação.


O dia a dia no seminário é muito rotineiro. Entre rezas, aulas, atividades comunitárias e gestão dos espaços da casa, os dias começam cedo e são preenchidos. Apesar disso, a solidão é uma questão constante. A entrega à vida religiosa é restritiva e, apesar de frequentarem espaços com outros jovens, a maior parte do tempo é passado na companhia exclusiva de padres mais velhos.


Francisco confessa, sem pudores, que sofre com esta solidão. Há três anos que vive assim afastado de companhia jovem em casa. Nos primeiros dois, confessa, não lhe custou tanto, por ainda estar na escola e ter uma rotina propícia ao convívio com outras pessoas da sua idade. A pior altura para si foi este ano letivo que está a decorrer. “Quando vim para aqui, a solidão tornou-se uma questão bastante complicada. Os padres aqui ou têm 30, ou têm 40, outro tem 60, são diferenças de idade muito grandes. Não tenho gente da minha idade com quem conversar”, contou Francisco.


Para atrair jovens vocacionados que o acompanhem é preciso uma estratégia conjunta junto das comunidades, defendem os padres que receberam O EXPOENTE no seminário. Mas isso, confessam, acontece a um ritmo demasiado lento quando se compara com a velocidade da mudança dos tempos.


Zeferino Policarpo, também padre formador, não tem dúvidas que os tempos são outros para a igreja no mundo ocidental. A sociedade mudou, o mundo é cada vez mais laico, a crescente importância do dinheiro e das posses segue o caminho contrário das ideias do catolicismo. Tal como o colega José Domingos, vê coisas positivas neste foco na vocação em vez do foco na quantidade de formados. E tem poucas dúvidas no momento de admitir a necessidade de reformas na Igreja.


Falamos com os dois padres em separado, mas nenhum dos dois mostrou discordâncias. Pelo contrário, notava-se uma convergência vísivel no discurso dos dois, sobretudo num assunto particular: o lado sacramental da Igreja Católica. Na última década a Igreja Católica perdeu, na maioria por morte, 816 sacerdotes e, no sentido contrário, foram ordenados apenas 326. Em dez anos, a igreja ficou com menos 469 padres. Numa estrutura montada para haver um padre por paróquia e uma paróquia em cada terra, os efeitos são imediatos.


“A falta de padres é um problema para a igreja no momento atual porque ainda estamos a funcionar como há 30 ou 40 anos. É impensável que um padre que tem oito paróquias tenha de rezar oito missas ao domingo. […] A vida da igreja não deve ser só a missa. Há tantas outras formas de expressar e viver a fé que não ir à missa e ir para casa a achar que está tudo feito. É preciso que se expresse noutras dimensões.”, defendeu o padre Zeferino. Que dimensões são estas? “A participação em movimentos, a formação dos leigos, a catequese, na participação da vida da comunidade, etc.”


As soluções da Igreja Católica têm passado por esta tal flexibilidade dos seus sacerdotes. Um padre pode ter oito, às vezes mais, paróquias. Normalmente, trabalham em terras com poucos devotos e ao pároco cabe apenas fazer missas e funerais.


Vai-se o envolvimento comunitário que se espera em nome de uma manutenção de tradições, por enquanto inegociáveis. Além desta solução, têm chegado muitos padres estrangeiros ao país para colmatar a falta de vocacionados. Vêm principlamente de países africanos e do Brasil e já são mais de 150. Todos estes dados constam no Anuário Católico publicado no início de 2022, um documento que faz o levantamento de todos os dados relacionados com a vida da Igreja Católica em Portugal.


Num mundo em que as vocações são cada vez menos, os seminário são espaços óbvios de excessão. Desprendidos dos prazeres terrenos e das posses, estes são jovens que se entregaram à fé em Deus e Jesus Cristo. São o futuro da igreja, se a igreja mudar rápido o suficiente para ter futuro.


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