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Qatargate: as suspeitas de corrupção que abalaram a União Europeia

  • Writer: Hugo dos Santos
    Hugo dos Santos
  • Dec 29, 2022
  • 4 min read

Updated: Jan 17, 2023

Seis detenções, 16 buscas domiciliárias e gabinetes de eurodeputados selados deram início à operação policial belga. Eva Kaili, ex-vice-presidente do Parlamento Europeu, está entre os detidos por aceitar alegados subornos do Qatar.
Eva Kaili, ex-vice-presidente do Parlamento Europeu, foi uma das detidas pela polícia belga. Foto: Anadolu Agency

A operação tornou-se pública a 9 de dezembro, com a detenção de seis pessoas com influência na União Europeia (UE). Além da social-democrata grega, foram detidos Francesco Giorgi, companheiro de Kaili e conselheiro parlamentar no âmbito dos negócios estrangeiros e dos direitos humanos, Pier-Antonio Panzeri, ex-eurodeputado dos Socialistas e Democratas e diretor da organização não-governamental (ONG) Fight Impunity, Luca Visentini, secretário-geral da Confederação Sindical Internacional, Niccolò Figà-Talamanca, diretor da ONG No Peace Without Justice e Alexandros Kailis, pai de Eva e alegado cúmplice no transporte de quantias monetárias.


Apenas Luca Visentini e Alexandros Kailis foram libertados, apesar de o pai da eurodeputada socialista ter sido encontrado com uma mala que continha “centenas de milhares de euros”. Os restantes foram presos por, alegadamente, “pertencerem a uma organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção”, segundo comunicado da procuradoria federal belga.

Nas 16 buscas realizadas, a polícia belga apreendeu cerca de 600 mil euros, computadores e telemóveis.

Os detidos no âmbito do Qatargate. Infografia: Hugo dos Santos


O que é que está a ser investigado?

Em causa estão alegados subornos por parte do Qatar a figuras influentes no seio da União Europeia. O Ministério Público da Bélgica refere, em comunicado, o pagamento de “quantidades avultadas de dinheiro” e a oferta de “grandes presentes a terceiros com uma posição política e estratégica significativa dentro do Parlamento Europeu”.


O jornal belga Le Soir afirma que o objetivo do Qatar seria defender a sua imagem, principalmente após as polémicas ligadas aos direitos humanos e laborais na preparação do Mundial 2022.


Para Michiel van Hulten, diretor da Transparência Internacional, o Qatargate trata-se do “caso mais flagrante de alegada corrupção que o PE viu em muitos anos”, apesar de não ser um “incidente isolado”.


A defesa do Qatar por parte de Eva Kaili foi evidente num discurso no Parlamento a 21 de novembro, aquando do debate sobre os problemas de direitos humanos no Qatar, onde afirma ter havido mudanças em termos de direitos laborais, que constituem “reformas que inspiram o mundo árabe”.



Eva Kaili tem assento no PE desde 2014 e foi eleita vice-presidente em janeiro deste ano. Anteriormente, tinha sido deputada no parlamento grego pelo PASOK, o partido socialista grego, que a expulsou após a detenção.


Denúncias e Confissões

Francesco Giorgi, em declarações à polícia divulgadas pelo Le Soir, reconheceu o seu envolvimento no caso de corrupção e implicou mais dois eurodeputados: Andrea Cozzolino (também chefe da delegação do Parlamento Europeu para as relações com o Magrebe) e Marc Tarabella. Ambos terão, de acordo com Giorgi, beneficiado do esquema através de Pier-Antonio Panzeri. Face às suspeitas levantadas, Cozzolino foi suspenso preventivamente pela Comissão de Garantia do Partido Democrático (ao qual pertence).


Panzeri terá confessado à polícia, de acordo com o jornal italiano Il Fatto Quotidiano, que recebeu dinheiro do Qatar e de Marrocos – 50 mil euros e presentes – com o objetivo de “influenciar” as instituições europeias através da sua ONG. O ex-eurodeputado refere que só o fez depois de 2019, quando já não exercia funções no PE, mas a polícia suspeita que a quantia terá sido superior à admitida por Panzeri e que o mesmo foi financiado ainda durante os seus mandatos.


Dimitris Avramópoulos, ex-membro da Comissão Europeia (CE) e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa da Grécia, juntou-se à lista de detidos pela polícia belga. Avramópoulos terá recebido 60 mil euros da ONG de Panzeri. Após esta detenção, a presidente da CE, Ursula von der Leyen, lançou uma investigação às ligações entre o ex-comissário e os 26 comissários atuais.


Do Grupo Parlamentar às Instituições Europeias: as reações ao Qatargate

O Grupo dos Socialistas e Democratas, ao qual pertencia Eva Kaili, expulsou a eurodeputada do partido e apelou à suspensão de todos os debates e votações relativos a países do Golfo – entre os quais o Qatar – até que exista mais informação sobre a investigação em curso.


Kaili foi, também, demitida da vice-presidência do Parlamento Europeu, com o voto favorável de 625 deputados. Apenas um votou contra a decisão de afastar a eurodeputada do cargo na Mesa e dois abstiveram-se.


A Presidente do PE, Roberta Metsola, afirmou na rede social Twitter que a UE se encontra “firmemente contra a corrupção” e disponível para colaborar com a “aplicação da lei e autoridades judiciais”.

Numa sessão plenária onde se debatiam as investigações das autoridades belgas, Metsola manifestou a sua “fúria, raiva e tristeza” e afirmou que “o Parlamento Europeu está a ser atacado, a democracia europeia está a ser atacada”.


A presidente da casa da democracia europeia assumiu a direção de um processo de reformas no que toca à conduta dos eurodeputados e ao contacto com representantes de países terceiros. “Nada será varrido para debaixo do tapete”, garante Metsola.


Ursula von der Leyen defende a criação de um órgão independente de Ética. Foto: AP

As reações ao caso ultrapassaram as barreiras do Parlamento e chegaram à Comissão: Ursula von der Leyen considera que a investigação assenta em “alegações muito graves, que constituem motivo de grande preocupação” e propõe a “criação de um órgão independente de ética que abranja todas as instituições da UE”. A presidente da CE está certa de que as suspeitas de corrupção “abalam a confiança dos cidadãos” nas instituições europeias e defende a adoção de “mecanismos de controlo comuns”, “regras mais claras” e critérios de transparência “mais apertados”.

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