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As carreiras estagnadas num setor em crise constante

  • Writer: O Expoente
    O Expoente
  • Jan 16, 2023
  • 5 min read

Updated: Jan 20, 2023

Os anos 90 foram a época dourada do jornalismo em Portugal. Nesta altura, foram criados vários órgãos de comunicação que garantiam aos seus funcionários não só boas condições laborais, mas também boas condições financeiras. O Jornal Público e a Rádio Nova foram alguns dos novos projetos que privilegiavam esta garantia de equilíbrio entre condições contratuais e salariais. Daí para frente, seja devido às crises sistemáticas pelas quais Portugal passou, pela recessão ou, atualmente, pelo grande aumento da inflação, o salário dos jornalistas só veio a diminuir e nunca a aumentar.


"Os jornalistas com 15, 20 anos de profissão ganham mesmo mal, porque já entraram durante uma outra crise qualquer a ganhar pouco e assim ficaram. Se continuarmos assim eu acho que o jornalismo acaba mesmo por estar condenado.”

O trabalho jornalístico está cada vez mais precário. Leonor Ferreira, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas, considera que existe “uma crise enorme na comunicação social”. São vários os órgãos que já não fazem aumentos aos seus trabalhadores há praticamente duas décadas. “Os jornalistas com 15, 20 anos de profissão ganham mesmo mal, porque já entraram durante uma outra crise qualquer a ganhar pouco e assim ficaram. Se continuarmos assim eu acho que o jornalismo acaba mesmo por estar condenado.” conclui.


Adriano Miranda é fotojornalista no Público há 24 anos, há 15 que não é aumentado. Na altura, começou a trabalhar por saber da existência de uma vaga, de uma colega que mudou de órgão de comunicação. A dificuldade que existe em conseguir entrar no meio do jornalismo não é uma novidade de agora. Adriano admite que “se ela não tivesse saído, eu não tinha entrado. As coisas aconteciam assim”.


Antes de ter entrado para o quadro do jornal Público, o fotojornalista trabalhou um ano na empresa a falsos recibos verdes. O falso recibo verde é uma forma de trabalho precária e ilegal. Acontece quando, oficialmente, um trabalhador é apenas prestador de serviços esporádicos e não possui um vínculo permanente ao local onde trabalha, quando na realidade é um funcionário completamente integrado na empresa. A única diferença é que não possui os direitos e vantagens inerentes a esse estatuto.


Adriano Miranda é fotojornalista do jornal PÚBLICO há 35 anos. Trabalhou um ano a falsos recibos verde e há 15 anos que não tem aumentos salariais. / Imagem: Aveiro Mag

No estudo do OberCom identificou-se que 57,8% dos jornalistas não progride na carreira profissional há pelo menos sete anos. Há 15 anos que Adriano não vê nenhum aumento no seu salário, contudo admite que existiu progressão na carreira, mas apenas por um motivo inevitável. Tornou-se editor, pelo que obrigatoriamente tinha de subir para um escalão superior. “Nós somos catalogados por letras. Tinham de me pôr na letra correspondente a editor”, explica.


A vice-presidente do sindicato menciona que os jornalistas são divididos por cinco grupos, sendo que a passagem para o quinto e último só acontece através da proposta da direção ou administração. Até chegar a esse ponto, a evolução na carreira é correspondente ao número de anos de trabalho e experiência. “Há pessoas que estão no segundo grupo há vários anos e não passam daquilo. Não evoluem”, conclui.


“Há 15 anos atrás acho que o meu salário era justo. Hoje, já não é. Com tudo o que está a acontecer, já está completamente desatualizado”

Não é por falta de consciência, por parte dos órgãos de comunicação social ou dos administradores, que esta situação de instabilidade e fragilidade permanece inalterada. Adriano reconhece que, no local em que trabalha, já se falaram algumas vezes em aumentos salariais, mas na prática tudo se manteve sem qualquer modificação: “Aumentos salariais já se falou, mas não houve. Não fazem nada para alterar a situação.”


A última vez que o fotojornalista recorda de terem existido aumentos no jornal Público foi alguns anos antes da pandemia, já não sabe precisar quantos. Mesmo assim, o seu salário não sofreu nenhuma alteração. “Foi só até um certo plafond. Desse plafond para baixo as pessoas eram aumentadas. Desse plafond para cima as pessoas já não eram. Portanto, eu acabei por não ser contemplado nos aumentos”, refere.


Durante estes 15 anos o rumo económico de Portugal já se alterou por diversas vezes. Já passamos por uma crise global, em 2008, uma nacional, que durou quatro anos, e uma pandemia. Atualmente, enfrentamos uma recessão económica mundial, o consequente aumento da inflação e muitas outras repercussões derivadas da guerra que se passa em solo ucraniano. “Há 15 anos atrás acho que o meu salário era justo. Hoje, já não é. Com tudo o que está a acontecer, já está completamente desatualizado”, afirma Adriano.


Se os salários permanecem eternamente inalterados, tornam-se desadequados ao custo de vida atual. Torna-se difícil poder viver uma vida segura e estável. Este ano, com o disparo dos valores da inflação, a maioria dos setores realizou aumentos na remuneração dos seus trabalhadores para fazer face às dificuldades monetárias que pudessem vir a surgir. Muitos aumentaram em até 7%, ao contrário do que aconteceu na comunicação social, cujo aumento foi nulo.


As diuturnidades são um complemento à remuneração mensal que tem o propósito de valorizar a antiguidade e permanência de um funcionário na empresa. Podem ser dadas igualmente a determinadas categorias profissionais na qual já não existe nenhuma possibilidade de promoção. As diuturnidades estão previstas no artigo nº 262 do Código do Trabalho, contudo não são obrigatórias. O trabalhador só tem direito a esta remuneração se isso estiver devidamente estipulado no seu contrato de trabalho, seja ele individual ou coletivo.


Um trabalhador tem direito a uma diuturnidade por cada três anos de permanência na mesma profissão, podendo acumular no máximo cinco. A vice-presidente do sindicato pensa que esta recompensa devia ser dada de forma automática. Confidencia ainda que existem “diversos órgãos de comunicação social que não pagam diuturnidades”.


O último Congresso dos Jornalistas foi em 2018, depois de 18 anos. Discutiu-se a precariedade e a falta de progressão na carreira

A felicidade de ter um contrato

“Uma felicidade” no jornalismo. É desta forma que Mónica Joady, jornalista há 20 anos n’O Gaiense, define o seu contrato de trabalho. Tem direito a baixa em caso de doença, subsídio de Natal e de férias e ainda indemnização em caso de despedimento. Estas são as condições mínimas e comuns do vínculo laboral de qualquer outra profissão, mas para um jornalista são regalias, quase uma sorte.


Mónica recorda uma situação que aconteceu recentemente com um colega de trabalho mais velho, que se admirou de ela ter direito a baixa: “Ele encontrou-me e disse ‘mas então, estás bem?’. Eu disse ‘olha, estou de baixa” e ele ‘Baixa? Tu tens direito a baixa?’”. “Eu acho que isto é grave. Ficar-se admirado com um direito tão fundamental que é uma baixa porque estás doente”, concluiu a jornalista.



“Um jornalista, hoje em dia, ganha entre o salário mínimo e 900 euros, não ganha mais do que isso”, confessou Mónica. No estudo do OberCom, identificou-se que cerca de 20% dos jornalistas possui outro trabalho paralelo. Durante dez anos, Mónica sentiu a necessidade de ter um outro trabalho simultâneo ao jornalismo, foi administrativa numa empresa de flores.


Os tempos mudaram, as redações organizam-se noutros moldes. Há cada vez mais despedimentos e os órgãos de comunicação social dependem cada vez mais dos freelancers. Para colmatar os problemas monetários que existem nas redações, muitos órgãos de comunicação social optam por despedir jornalistas seniores. “Sai um que ganhava dois mil euros e entram três, por exemplo, que vão ganhar muito menos”, exemplificou Leonor Ferreira.



Num artigo de 2017, Cohen nota que o freelancing funciona como um “penso rápido” para as necessidades da empresa, que vende a ideia de que o trabalho a recibos verdes, por exemplo, é mais vantajoso porque o trabalhador tem mais liberdade. Trabalhar assim significa não ter um vencimento regular, que permita contar com um dinheiro fixo ao final de cada mês. Num mês pode-se receber um valor e noutro receber um mais baixo. Rapidamente os trabalhadores nesta condição entram num limbo, em que podem começar a trabalhar de forma regular e entrar no campo dos falsos recibos verdes.


Esta é a segunda parte da Grande Reportagem "Precariedade no jornalismo: quando o quarto poder 'come e cala'". Para consultar a terceira parte clique aqui.

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