Na zona contígua à estação de Santo Ovídio há, segundo a Metro do Porto, 10 casas que têm “mesmo” de ser demolidas, para que se construa a nova estação de Santo Ovídio. A empreitada da Linha Rubi deve começar em setembro e, para quem tem de deixar a casa para trás, “vai ser muito difícil”.
À primeira vista, a rua António Rodrigues da Rocha parece igual a qualquer outra. Há movimento, pessoas que vão ao pão de manhã, vizinhos que conversam à porta de casa. A diferença entre esta e qualquer outra rua numa zona residencial está no conteúdo das conversas. “Já sabe quanto dão pela sua casa?” “50%” “50? A mim nem isso”. E a vida segue, mas desde que souberam que a empreitada da Linha Rubi ia deitar as suas casas abaixo nada voltou a ser igual. Aquele lado da rua, onde estão as 10 casas, vai passar a fazer parte da nova e expandida estação de Santo Ovídio. Se tudo correr como esperado, estará pronta em 2025 e das casas não haverá sinal. Segundo o Estudo de Impacto Ambiental, apresentado a 12 de outubro, será “necessário demolir a totalidade das construções existentes na parcela limitada pela Rua António Rodrigues Rocha (a norte) e o largo da Igreja Paroquial de Santo Ovídio".
Uns dias depois de receberem a notícia, as portas fecham-se e as caras também, toda a gente está cansada, ninguém quer falar. O Sr. Gonçalo foi o primeiro que aceitou, contou-nos que a sua casa, a primeira da rua, é habitada pela família há 90 anos.
Fizeram obras recentemente, insistiu que entrássemos para ver o estado da casa: com mobília antiga, mas nova, o chão brilhante, as paredes muito brancas. Daqui a um ano tem de sair e as soluções não agradam ninguém. Gonçalo queixa-se dos valores que a Metro do Porto dá pela casa, “como se fosse aquelas casas podres”, “a cair abaixo”. Tem um advogado a tratar do assunto e a filha acha melhor não falar sobre o assunto até terem um acordo fechado.
Uns metros abaixo, há quatro casas coladas. Encontramos Fernanda Sousa à porta da segunda, com muita pressa para ir fazer o almoço. Tem 80 anos e vive naquela casa há 35, tal como as 3 vizinhas, mudaram-se todas ao mesmo tempo. Foi através de um jornalista que soube que a casa onde pensou que ficaria para sempre vai ser demolida. A Metro do Porto só contactou os moradores depois de a notícia ter sido avançada pela comunicação social e Fernanda admite ter ficado “abalada”, não estava preparada. Os moradores já reuniram com a Metro do Porto, mas Fernanda acha que ninguém chegou a acordo porque “vieram todos insatisfeitos”. “Não dão o suficiente para comprar uma casa como a que temos, as propostas não têm sido justas”. E por isso, garante que haverá mais reuniões para tentar resolver esta situação, que tem preenchido os dias destes moradores.
Mudar de casa aos 80 anos “vai ser muito difícil”. “Estou aqui muito habituada, gosto muito deste centro e agora arranjar casas aqui não é fácil. Casas novas, não há, as usadas vendem-se logo e nós ainda não resolvemos nada porque ainda não sabemos o que vamos receber, nem sabemos o que podemos comprar”. Até ao tão almejado acordo, estas pessoas têm a vida suspensa. Por enquanto, vivem um dia de cada vez, tentam manter as rotinas, e convencer-se que daqui a um ano estarão num sítio novo, com pessoas novas. Fernanda está convencida que “eles [Metro do Porto] nem pensam nisso, querem fazer o que pensaram fazer e nós temos de deixar”, concluiu resignada. Depois, apressou-se de volta para a cozinha, o almoço já estava no forno e a conversa não lhe podia tomar mais tempo.
O EXPOENTE tentou, por várias vezes, contactar a Metro do Porto, mas nunca obteve qualquer resposta. "Nós, em setembro, temos mesmo de ocupar aquela zona. Temos mesmo de ocupar toda a zona contígua, onde será instalada a estação de Santo Ovídio, portanto temos esse objetivo de chegar a acordo rapidamente com os moradores onde será implantada a estação", disse à Lusa Tiago Braga, presidente da empresa.
No dia 14 de novembro, na reunião da Assembleia Municipal do Porto, Tiago Braga afirmou que “na pior das hipóteses, em setembro” a Metro do Porto tem de estar “com obras no terreno”.
Contactada pelo EXPOENTE, a Câmara de Gaia demarcou-se de qualquer responsabilidade ou envolvimento na questão, afirmando que “para já” só diz respeito à Metro do Porto.
O PSD/Gaia reuniu com a administração da empresa e mostrou ter “justificadas preocupações” não só sobre a demolição das casas em Santo Ovídio, mas sobre a construção da Linha Rubi de forma geral. “A administração da Metro do Porto reconhece que as demolições serão uma parte mais complexa e delicada do processo e que pretende dirimir estas questões por mútuo acordo, sobretudo em Santo Ovídio, onde se prevê que haja uma necessidade de área mais expressiva", pode ler-se no comunicado. Referem ainda a possibilidade de demolições junto à VL8.
Em Gaia, as estações previstas para a Linha Rubi são Santo Ovídio, Soares dos Reis, Devesas, Rotunda, Candal e Arrábida. Do lado do Porto, Campo Alegre e Casa da Música. A construção da nova linha da Metro do Porto está prevista no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência e custará 300 milhões de euros mais IVA.
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