18 anos depois, Jerónimo de Sousa deixou de ser secretário-geral do PCP. Fica marcado como o homem que construiu pontes entre o Partido Comunista e o PS. Abandonou o lugar no parlamento e dá agora espaço a um novo líder, Paulo Raimundo. Por Marta Sofia Ribeiro.
Jerónimo de Sousa era o único deputado em funções que fez parte da Assembleia Constituinte. Despede-se agora de cargos maiores no Partido Comunista, mas na memória coletiva dos portugueses ficará como um dos rostos da “Geringonça”.
Na noite eleitoral em 2015, o PS não tinha atingido a maioria absoluta, mas o líder comunista afirmou: “o PS só não é governo se não quiser”. Após décadas de afastamento, o PCP e o Partido Socialista encontraram um terreno livre para negociação. A coligação de direita de Passos Coelho foi substituída pela “Geringonça” de António Costa. O atual primeiro-ministro considera que foi Jerónimo quem deu o “primeiro, corajoso e decisivo passo” para esse governo. O PREC tinha causado um distanciamento entre o PCP e o PS, e foi em 2015 e graças a Jerónimo que esse muro foi (ainda que não inteiramente) derrubado.
Em 2021, o PS prometia o “orçamento mais à esquerda de sempre”, mas nem o PCP nem o Bloco estavam de acordo. O Orçamento de Estado foi reprovado a 27 de outubro e o país foi a eleições. Foi o fim da “Geringonça”. O Partido Socialista conseguiu a tão almejada maioria absoluta, mas para a CDU o cenário não foi brilhante. Foram os piores resultados de sempre da coligação liderada por Jerónimo. Passaram de 12 para 6 deputados: Os Verdes perderam assento parlamentar e, do lado do PCP, nomes maiores como João Oliveira e António Filipe não foram eleitos.
Não é doutor, e muito menos engenheiro
Jerónimo de Sousa foi eleito Secretário-Geral do PCP em 2004, sucedendo Carlos Carvalhas. Milita no Partido Comunista desde 1974 e foi muito perto de casa que a vida política iniciou. É um dos fundadores da Associação Cultural e Desportiva de Pirescoxe, aldeia onde sempre residiu. Nos anos 60 integrou a direção da Coletividade 1.º de Agosto de Santa Iria de Azoia, onde fazia parte de vários grupos culturais. Foi aí que surgiram os primeiros contactos com o partido que, anos mais tarde, viria a elegê-lo como Secretário-Geral. Mais de 50 anos depois, continua a jogar às cartas com velhos amigos na coletividade e o Partido Comunista tornou-se no destaque maior da vida de Jerónimo.
Começou a trabalhar aos 14 anos como afinador de máquinas na Fábrica de Aparelhagem Industrial. Entre 1969 e 1971 partiu em serviço militar para a Guiné Bissau, e dois anos depois de voltar chegou à Direção do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa. Em 1975 foi eleito para a Assembleia Constituinte. Diz que não é doutor, e muito menos engenheiro, é operário e, antes de ser deputado, nunca conheceu outra realidade. Sempre doou parte do salário ao partido porque não queria ser beneficiado, queria receber como se trabalhasse na fábrica.
Em 1996, foi candidato à Presidência da República, mas não chegou ao fim da corrida: acabou por desistir a favor do candidato socialista que viria a ser eleito, Jorge Sampaio. 10 anos depois, voltou a concorrer e foi o único candidato a vencer Cavaco Silva num distrito, o de Beja.
No passado dia 6 de novembro, Jerónimo de Sousa anunciou que deixaria de ser Secretário-Geral do PCP e abandonaria o assento parlamentar. Pouco tempo antes, no final de outubro, disse, em declarações à Lusa que “ninguém é insubstituível” e “a lei da vida não perdoa”. Já há muito de especulava sobre quem viria substituir o líder comunista, mas não se esperava tanta celeridade na decisão do partido.
As reações multiplicaram-se e alguns dirigentes políticos reagiram publicamente. António Costa evocou a “cordialidade e empatia” do dirigente, Catarina Martins descreveu-o como “exemplo de abnegação e entrega” e “parte imprescindível da esquerda”. Luís Montenegro elogiou-lhe a “simplicidade e urbanidade” e “simpatia pessoal e lealdade no combate político” e João Cotrim Figueiredo realçou a cordialidade já referida pelo primeiro-ministro.
Nos primeiros tempos como deputado questionou um camarada mais velho sobre como deveria exercer as suas funções. A resposta foi simples: “sê como tu és”. E Jerónimo cumpriu, “ao lado dos que mais sofrem e dos que sofrem as durezas da vida”.
O discurso aproxima-o das populações, as expressões idiomáticas, as piadas, as histórias sempre na ponta da língua e o tão familiar “portanto” que ficará na memória coletiva. Quem o conhece descreve-o como bem-humorado e afável. Os amigos dizem que é um galã “à moda antiga” e é um excelente bailarino, como já mostrou várias vezes.
Agora, 18 anos depois, há uma cara nova na frente do PCP. Não é João Ferreira, João Oliveira nem Alma Rivera como se esperava, mas sim Paulo Raimundo.
A carta desconhecida na manga do PCP
Para quem não milita no PCP, Paulo Raimundo é um nome caído do céu, mas os comunistas garantem que o novo Secretário-Geral pode ser uma grande revelação. Tem 46 anos e é o líder comunista mais novo de sempre a seguir a Bento Gonçalves. Foi apresentado pelo partido como sendo de “uma geração mais jovem, com um percurso de vida marcado por uma experiência diversificada”. O trabalho de Paulo Raimundo no partido nunca foi na frente institucional, como Jerónimo de Sousa e Carlos Carvalhas, mas sim nas bases, trabalhou junto aos jovens e sindicalistas.
No congresso deste sábado, 12 de novembro, foi feita e aprovada a proposta formal da eleição de Paulo Raimundo, que é agora oficialmente Secretário-Geral do PCP. Foi eleito com apenas uma abstenção, a sua.
Os mais atentos poderiam achar previsível a subida de Paulo Raimundo ao cargo maior do PCP. No último Congresso, passou a fazer parte da Comissão Política, acumulando com funções no Secretariado. A acumulação é rara e traduz-se na importância crescente do novo líder comunista. Além dele, apenas Jerónimo de Sousa, Francisco Lopes, Jorge Cordeiro e José Capucho têm assento nos dois órgãos.
Segundo a nota biográfica disponibilizada pelo PCP, Paulo Raimundo é “filho de trabalhadores naturais do concelho de Beja. Nasceu em Cascais, concelho onde os pais trabalhavam à época, como funcionários do Estoril Futebol Clube, em cujas instalações também residiam. Viveu em Setúbal a partir dos 3 anos, onde os pais se fixaram e trabalharam”.
“Trabalhou em carpintaria, foi padeiro e animador cultural na Associação Cristã da Mocidade (ACM) na Bela Vista. Realidades que lhe permitiram sentir as contradições do dia-a-dia, a realidade do trabalho mal pago, da exploração e da precariedade e, por outro lado, ter a vivência da camaradagem e da solidariedade entre os trabalhadores”. Juntou-se à Juventude Comunista Portuguesa em 1991 e em 1995 passou a ser funcionário da JCP. É membro do PCP deste 1994 e passou ao quadro de funcionários 10 anos depois, em 2004.
Tanto João Ferreira como João Oliveira, apontados há muito como possíveis sucessores de Jerónimo de Sousa, estão satisfeitos com a solução apresentada pelo partido. Em declarações ao Público, Oliveira compara a Raimundo a Jerónimo, afirmando que tem “capacidades políticas e qualidades humanas que o aproximam muito do perfil de Jerónimo de Sousa”. E acredita que o que falta ao novo líder comunista é “conhecimento e reconhecimento público das qualidades e capacidades”. Ferreira está convencido que Paulo Raimundo “vai ser uma revelação”.
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