O pai natal chegou atrasado à residência oficial do primeiro-ministro, há quase um ano. Mas só agora é que nos começamos a aperceber das consequências da demora.
A 30 de janeiro de 2022, o trenó aterrou em S. Bento quando ninguém esperava por ele. Já tinha passado o natal, a passagem de ano e até o dia de reis. Trazia uma prenda pesada e valiosa, sem qualquer explicação aparente.
À noite, ao desembrulhar o presente, Costa viu que tinha recebido uma maioria absoluta - uma prenda que desejava há anos. Logo percebeu o valor da prenda, mas ficou sem explicação o peso da oferta. O primeiro-ministro pensou que o peso fosse da responsabilidade, da honra que é liderar um país sem necessidade de dialogiar com nenhum outro partido.
Mas agora, com um certo distanciamento, percebemos que o peso era só o dos ministros - e era tanto que já começaram a cair... Faz sentido, porque a responsabilidade não tinha sido assim tanta, apenas a de garantir que o Partido Socialista saía como “vítima” no caso da reprovação do Orçamento de Estado de 2021.
E assim foi: a maioria chegou e um governo do PS, renovado e com mais força, tomou posse. Contudo, ao finalizar o ano, constatamos que há algo de errado com esta maioria absoluta. Mas há uma justificação! Como as prendas foram entregues só em janeiro, o presente de Costa já vinha fora de validade...
Esta é uma maioria absoluta com sabor a azedo. Já está passada. E percebemos que a oferta que tanto agradou a Costa era, afinal, um presente envenenado.
E que agentes externos podem justificar estes acontecimentos? Nenhum. Absolutamente nenhum. Não há justificação possível à exceção da incompetência na escolha dos membros do governo e do visível conflito interno no Partido Socialista.
Como é evidente, o senhor primeiro-ministro não tem culpa nenhuma da situação que o seu governo atravessa. Aliás, ele prometeu que utilizaria esta maioria para dar estabilidade ao país. É muito injusto vir agora acusar António Costa de ter responsabilidades pelos problemas causados pela saída dos membros do governo escolhidos por si mesmo.
Costa esqueceu-se da promessa que fez ao eleitorado português e desvaloriza toda a situação ao afirmar que “o que é fundamental num governo é a estabilidade das políticas” e não dos governantes. Mas será possível garantir a execução de políticas estáveis com um governo em constante remodelação?
No meio de toda esta ironia, é importante não esquecer que estamos a falar de 13 demissões num espaço de nove meses. E que agentes externos podem justificar estes acontecimentos? Nenhum. Absolutamente nenhum. Não há justificação possível à exceção da incompetência na escolha dos membros do governo e do visível conflito interno no Partido Socialista. Não há motivo senão a própria soberba trazida pela maioria absoluta. A sensação de poder pode cegar e, neste caso, tem sido autodestrutiva.
O governo socialista está a criar a instabilidade dentro de si próprio. Não pode culpar agora os partidos da “geringonça”. O trabalho da oposição, à Esquerda ou à Direita, está a ser facilitado. Todas as semanas, esperamos uma demissão, estamos todos à espera de uma nova queda no governo. Este é, para mim, o principal indício de que estamos perto de atravessar uma crise política.
Como possível solução, Marcelo Rebelo de Sousa já abriu as portas a novas eleições antecipadas. Não creio que seja a melhor opção, uma vez que não há alternativa governativa. O principal partido da oposição está a habituar-se a um novo líder e o próprio admite que não motivos para a dissolução do parlamento. Além disso, estou certo de que os resultados iriam favorecer, uma vez mais, o partido da extrema-direita, que vê no descontentamento popular oportunidades de crescimento.
É urgente que se deixe de olhar apenas para o aparelho partidário interno e que se seja mais rigoroso nos critérios de entrada para o governo.
Para resolver esta situação, falta-nos uma mensagem clara vinda do primeiro-ministro. É preciso que se aborde esta questão, que se fale abertamente sobre ela no espaço público. Não é ignorando os problemas que eles desaparecem, nem é por não se prestar declarações sobre os assuntos que eles deixam de existir.
É necessário que, sem olhar a partidarismos, se escolham pessoas devidamente preparadas para o cargo e competentes para o executar. É urgente que se deixe de olhar apenas para o aparelho partidário interno e que se seja mais rigoroso nos critérios de entrada para o governo.
Maior escrutínio, maior abertura, maior diálogo. É esta a solução.
E enquanto o PS não limpa a casa, brinca-se aos “casos e casinhos” na Assembleia da República. Faz-se barulho. Protesta-se. Votam-se moções de censura. Com que efeitos? Desconheço algum que não seja o de adotar um papel de oposição barulhenta, para agradar ao aparelho interno partidário e aproveitar-se do descontentamento generalizado.
Há uma lição a retirar em toda a instabilidade que o governo tem atravessado: as maiorias absolutas trazem tantas oportunidades quanto desafios. É preciso saber geri-las com diálogo e disponibilidade para trabalhar em articulação, sem se fechar sobre o próprio partido.
A presunção e a arrogância trazidas pela maioria absoluta estão a impedir António Costa de governar com um executivo capaz de fazer o país avançar. Estas caraterísticas, no primeiro-ministro, apanharam Portugal de surpresa. É normal. Vieram bem embrulhadas...
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