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Hugo dos Santos e Joana Rita Cirne

Luís Marques Mendes: “O PSD vai ganhar as próximas eleições”

O EXPOENTE esteve à conversa com Luís Marques Mendes, comentador e ex-líder do Partido Social Democrata, sobre a atualidade política do país.



O EXPOENTE (E) - Qual foi o cargo político que mais gostou de exercer?

Luís Marques Mendes (LMM) - Vou-vos surpreender, eu tive quase todos os cargos políticos que é possível ter em Portugal. O cargo político que eu mais gostei de desempenhar foi líder parlamentar. Justamente ali entre o fim de 95 e 99. Era líder do partido, na altura, o professor Marcelo Rebelo de Sousa, atual Presidente da República. Portanto, era um cargo muito desafiante e muito exigente. Eu sempre fiz a advocacia de barra, a advocacia de tribunal. A advocacia de tribunal tem uma componente de combate grande. Ora, o Parlamento é muito semelhante. Para quem gosta da componente de combate, o Parlamento é uma coisa magnífica. O combate não é os tiros, nem é os insultos. É o combate pelas ideias. É o combate pelos projetos políticos. Um líder parlamentar, se não tiver esta capacidade de combate, não é um bom líder parlamentar. Gostei porque tinha, na altura, uma responsabilidade enorme. Marcelo Rebelo de Sousa era líder, mas não era deputado, portanto não estava lá. Portanto, o número um do PSD no Parlamento era eu. E isto dá uma grande responsabilidade, como eu gosto de desafios e de responsabilidade, é uma coisa nova, forte, e pesada. Nessa altura começaram também os chamados “debates mensais” entre governo e oposição. Era Primeiro-Ministro António Guterres. Eu tive essa responsabilidade de fazer debates com António Guterres. E António Guterres não é uma pessoa qualquer, é uma muito culta, muito bem preparada. Uma pessoa com quem dá gosto debater. Mais do que ser Secretário de Estado, mais do que ser Ministro, mais até do que ser líder partidário. Ser líder parlamentar marcou-me muito e eu gostei imenso.


E - Depois veio a ser líder do PSD em 2005-2007. Estamos a falar de uma maioria absoluta socialista. Como é que se lidera um partido de oposição numa altura de maioria absoluta?

LMM - Muito difícil. Líder de oposição é, para mim, o cargo mais difícil de desempenhar em Portugal. Líder de oposição tendo uma adversidade em maioria absoluta, ainda mais difícil, porque não tem nada para dar a ninguém. Nada. Só tem para dar, quando muito, expectativas. Não tem poder para distribuir. Ora, as pessoas muitas vezes precisam de sentir alguma fatia de poder, para estarem motivadas e mobilizadas. Isto é uma dificuldade enorme. Um líder de oposição nunca pode garantir que chega ao poder. Pode garantir que vai lutar por isso. Como não há garantias de chegar ao poder, e como não tem nada para distribuir àqueles que estão à sua volta, dentro do partido, corre o risco de ser corrido a meio? Claro que em maioria absoluta, mais difícil ainda se torna. Uma maioria absoluta, em princípio, não cai antes dos 4 anos de mandato. O que significa que o mandato de líder de oposição ainda é mais longo do que habitual. Eu experimentei isso na pior faceta possível, porque foi a primeira vez que o Partido Socialista teve uma maioria absoluta. É preciso recordar que o PSD vinha de uma derrota das mais pesadas da sua história. Em fevereiro de 2005, com Pedro Santana Lopes à frente do partido, o PSD teve 28%, abaixo de 30%. Suceder a um líder que teve um resultado destes, e liderar um partido que estava profundamente traumatizado com esta derrota, é difícil. Acresce ainda que a economia estava, nessa altura, a crescer. Em qualquer circunstância, não me arrependo, nem me queixo de nada, nem me queixo de ninguém.


E - Enquanto presidente do partido, o que é que fez de diferente de Rio ou de Montenegro?

LMM - Quer dizer, isso é capaz de ser melhor serem os outros a avaliar. Em qualquer circunstância, eu não vou estar aqui a comparar nem com o Rio, nem com o Montenegro, mas vou vos dizer aquilo que eu acho que fiz um bocadinho de diferente. Da generalidade dos políticos, não é só no PSD, há dois ou três exemplos marcantes. É certo que já passaram alguns anos, as pessoas tendem a esquecer, mas é normal. Eu fiz uma coisa, na ética política, que nunca ninguém antes fez, nem nunca ninguém depois de mim voltou a fazer.


Nas eleições autárquicas de 2005, eu não candidatei alguns presidentes de câmara do PSD. Eram presidentes de câmara, tinham todas as condições para ganhar as eleições, e eu pu-los fora. Correndo o risco de perder as eleições, como perdi. Foi o caso do Oeiras e foi o caso do Gondomar. Eram dois presidentes de câmara, Isaltino Morais num lado, e Valentim Loureiro no outro lado, que do meu ponto de vista não tinham uma imagem de credibilidade e de prestígio que dignificasse o PSD e que dignificasse a democracia. E, portanto, tirei-os. O que deu grande polémica, mas a ética política é isto mesmo. Há questões na vida política que têm de ser levadas em atenção, não é a realidade do vale tudo. O Isaltino Morais, como eu tinha razão, passado uns tempos, chegou mesmo a estar preso. Isto normalmente um líder político não faz por uma razão. Com isto, o PSD, perdeu aquelas duas câmaras. Eu entendo que isto é um bocadinho como no futebol. No futebol é tudo importante, mas também não vale tudo. Se não há uma falta correspondente a um penálti, não vamos marcar um penálti, só precisamos muito de ganhar. Aqui é semelhante. Quer dizer, ganhar é importante, mas não se pode ganhar de qualquer maneira. Por essa razão, introduzi a ética na vida política daí para cá. Mais ninguém fez isso, em nenhum partido. E por isso é que nós vemos aí casos imensos em que as pessoas ficam incomodadas com a falta de ética, ou corrupção, ou coisas dessa natureza. Eu acho que aí fui diferente de toda a gente. Acho que também fui diferente de toda a gente noutros planos, como a limitação dos mandatos autárquicos. Hoje, um presidente da Câmara, por exemplo, não pode fazer mais do que 12 anos. Termina os mandatos. Mas antes de eu chegar à liderança não era assim, podia estar 30 anos em função, uma vida inteira, não tinha limite. Ora, isto foi uma reforma, uma medida que eu tomei em consenso com o Partido Socialista na altura, porque a lei obriga a que isto fosse feito por dois terços. Nunca antes tinha sido possível. Apesar do líder do PS não ser uma pessoa com quem eu tinha uma grande relação, José Sócrates, mas fizemos um entendimento para resolver um assunto em concreto que o país precisava que se resolvesse. Também quis mostrar, dessa forma, que um líder da oposição existe para criticar, para contestar, mas também para colaborar quando as questões são do mais relevante interesse nacional. Esta era uma questão importante, limitar os mandatos dos autárquicos, fomentar a renovação, combater a eternização do poder, de alguma forma melhorar a qualidade da democracia, como a da ética. Acho inqualificável que pessoas, por exemplo, que têm casos sérios com a justiça possam ser candidatos, seja no plano local, seja no plano nacional. Depois disso eu nunca vi ninguém fazer aquilo que fiz, mas tenho muito orgulho.


E - Consegue escolher na história do PSD três presidentes que para si tenham sido os mais importantes ou os mais marcantes?

LMM - Acho que esse é indiscutível. Sá Carneiro foi o mais marcante, porque fundou o partido e levou o partido ao poder. Foi um primeiro-ministro durante um período muito curto, mas foi um primeiro-ministro marcante. Não deixou ninguém indiferente no país, uns gostaram, outros não gostaram. Depois, Cavaco Silva, também indiscutível. Foi aquele que foi primeiro-ministro durante mais tempo até hoje. Estou a falar de Cavaco Silva que foi primeiro-ministro durante 85 e 95. Aqueles dez anos no PSD correspondem a um período de enorme desenvolvimento do país. O país convergiu muito com a Europa, foi um tempo de fazer reformas enormes. Cavaco Silva é um caso único na vida política nacional. Tem quatro maiorias absolutas, todas acima de 50% dos votos. Ganhou em 87 com mais de 50% dos votos. Voltou a ganhar em 91 com mais de 50% dos votos. E depois, mais tarde, para a presidência da República, ganhou sempre acima de 50%. Nisso não há ninguém em Portugal. Foi, obviamente, o segundo mais marcante da história do PSD. O terceiro, talvez, Pedro Passos Coelho. Porque governou em circunstâncias muito difíceis. Ou seja, com a Troika cá dentro, sem dinheiro. Uma pessoa ter um período na vida de um país, em que não é verdadeiramente independente, porque está dependente de quem lhe empresta dinheiro, são circunstâncias difíceis. Governar o país nestas circunstâncias é obra. Seguramente que teve defeitos, ninguém é perfeito, mas obviamente que teve uma atuação muito, muito corajosa. Mas acho que serviu o país com inegável coragem e sentido patriótico.


E - Vê o partido a ganhar as próximas legislativas?

LMM - Acho que sim, que vai ganhar.


E - Porquê?

LMM - É fácil de explicar. Se as eleições forem no prazo normal, em 2026, acho que o PSD vai ganhar as próximas eleições. Se as eleições forem em 2026, no prazo normal. Se, entretanto, as eleições forem antecipadas por qualquer razão, eu não sei se o PSD ganha ou não. Em 2026 ganha porque feitas as contas, significa que o Partido Socialista estará no poder há 11 anos consecutivos. 11 anos em democracia é uma eternidade. Desgasta imenso. O Governo já está neste momento com sete anos e já bastante desgastado, imagine com 11. António Costa já não vai ser candidato a primeiro-ministro em 2026. Ora, por muito bom que seja um novo líder do PS, é muito difícil no imediato ter o peso que tem Costa. António Costa vale mais que o PS. O PS vale mais com António Costa e vale menos sem António Costa. Isto é uma vantagem enorme para o PSD. A história explica que quando um líder que está há muito tempo no poder se vai embora, os portugueses, de modo geral, não querem apenas mudar de pessoa, querem mudar de partido. Foi assim com Cavaco Silva. Os portugueses quiseram mudar do PSD para o PS, e o PS ganhou as eleições. Uns anos mais tarde, António Guterres saiu da liderança do PS e do Governo, em 2002. Os portugueses quiseram mudar para o PSD. Eu acho que vai acontecer a mesma coisa agora. É sempre assim.


E - Mas então, neste cálculo, há espaço também para mérito do PSD?

LMM - Com certeza que também há mérito, mas estas condições aqui são objetivas. Não têm a ver com mérito do PSD, têm a ver com objetividade da política. Fazer análise política é ser objetivo e tem que ser feito com a cabeça, não com o coração. O PSD também tem que ajudar, claro, mas isso é muito cedo ainda.


E - O que é que o PSD tem que fazer para ajudar?

LMM - Sobretudo o PSD tem que chegar próximo das eleições e ter um pensamento alternativo. As pessoas também gostam de mudar, mas querem saber também o que é que significa a mudança. Neste momento ainda é cedo para o PSD apresentar esse programa alternativo, porque estamos muito longe das eleições. Mas daqui a dois anos começa a ser necessário. Quando chegarmos aí a 2024, que é metade da legislatura, as pessoas começam a exigir saber o que é que o PSD pensa diferente e o que é que se propõe fazer. Por isso, este é um tempo para estruturar um pensamento. Depois há um tempo para o apresentar. É por estas razões que eu sou um defensor de maiorias absolutas, mesmo que não sejam do PSD, representam estabilidade para o país.


E - Considera que o PS está a aproveitar este tempo de maioria absoluta?

Para já não está. É uma surpresa para mim. As coisas não têm estado a correr bem ao governo. Muitos erros, muitas demissões, remodelações até, muitas polémicas. É até bastante surpreendente, mas eu acho que há uma certa explicação para isso. A maioria absoluta é, como já expliquei, uma coisa boa, pelo menos em teoria. Mas esta maioria absoluta veio um bocado no tempo errado. António Costa já leva 7 anos de poder. Uma coisa era ter uma maioria absoluta quando estava fresco no poder. Ao fim de um ano, dois, três... Ao fim de sete anos, em qualquer cargo na vida, sobretudo na vida política, uma pessoa já está um pouco cansada. Já não tem mesmo a paciência, já se irrita com muita facilidade. Eu acho que é isso que justifica que durante estes primeiros oito meses as marcas são a escolha de um secretário de Estado que estava cheio de problemas com a justiça, um ministro que desautorizou o primeiro-ministro no aeroporto, depois a ministra da saúde que se demitiu, que já não aguentava a situação lá da urgências... Isto não é normal. Uma maioria absoluta pode ser uma ideia certa, mas esta surgiu no tempo errado.



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